quarta-feira, 24 de abril de 2013
A INDUSTRIA CULTURAL ATACA O ENCONTRO CULTURAL DE LARANJEIRAS
O presente artigo tem como objetivo analisar a relação comunidade/grupos culturais/contemporaneidade, a partir do evento Encontro Cultural de Laranjeiras. O interesse pelo tema vem a partir de um fato notório: os efeitos da indústria cultural e a consequente desvalorização das manifestações artisticas locais.
Conhecida como capital sergipana da cultura popular, o município de Laranjeiras está localizado a 20 km de Aracaju. Originou-se das povoações organizadas por colonos às margens do Rio Cotinguiba, após a dominação das tribos nativas pelas tropas de Cristovão de Barros, em 1590. A cidade desenvolveu-se socioeconomicamente a partir da monocultura da cana de açúcar, apoiada em trabalho escravo, o que explica o grande numero de cidadãos afrodescendentes nos dias atuais.
Da miscigenação etno-racial surgem as centenárias manifestações culturais, de origens variadas, repassadas de geração a geração. Lambe Sujos e Caboclinhos, Taieiras, Cacumbis, Reisados, Cheganças, que sobreviveram até hoje, com seus conteúdos sagrados e profanos. Muitas outras manifestações no Estado de Sergipe já são consideradas extintas, enquanto algumas são apresentadas apenas por grupos parafolclóricos.
Percebe-se, na contemporaneidade, que essas manifestações vão aos poucos deixando de interessar aos moradores da cidade, que privilegiam como opção de entretenimento a participação de artistas a nível nacional ,enquanto os cortejos dos grupos folclóricos são acompanhados por uma minoria formada principalmente de estudiosos da cultura e turistas.
Pretende-se aqui, alertar para a influencia da indústria cultural nessa relação comunidade/manifestações culturais, conceituando indústria cultural, como um processo sócio econômico, cuja finalidade primordial é produzir bens, inclusive bens culturais, e vende-los ao maior número de pessoas possível, usando para isso estratégias de marketing e comunicação através de recursos midiáticos, que usados exaustivamente leva o individuo a um estado de alienação mental, aceitando passivamente o que lhe é apresentado como bom e indispensável.
Torna-se necessária uma reflexão, a partir do meio social sobre sua relação com a cultura regional e a contemporaneidade, em virtude do visível alheamento da comunidade local em relação as suas tradições culturais, que são paulatinamente sufocadas pela modernidade e padronização de costumes , impostas pela indústria cultural. Esse contexto tem como consequência a perda de identidade cultural,a desvalorização, e extinção de nossas manifestações genuínas ,que perdem espaços para os modismos impostas pela indústria cultural.
terça-feira, 23 de abril de 2013
lutas e abolições: caboclinhos x lambe sujos
Esse artigo tem como objetivo possibilitar a ampliação da compreensão sobre a contribuição da memória e das manifestações culturais para a construção de uma identidade étnica, bem como, deixar como referencia a ideia de preservação e valorização da festa Lambe Sujo x Caboclinhos, enquanto uma construção histórica e patrimônio intangível do povo de Laranjeiras.
Busca-se aqui identificar a presença de símbolos e representações do período escravocrata na aludida manifestação cultural, relacionando memória coletiva, cultura e história, através das lutas e ações empreendidas pelos negros escravizados, visando a obtenção de liberdade, fatos constantes durante o Brasil colonial.
Neste sentido, a festa popular Lambe Sujos x Caboclinhos expressa formas de formação de identidade cultural de grupos locais, onde o motivo do festejo é celebrar e relembrar, conservar algo que ficou na memória coletiva, transformado em genuína manifestação cultural.
A escolha desse tema justifica-se pela necessidade de se fazer um registro da existência desse importante patrimônio intangível do município de Laranjeiras, manifestação popular que reúne diferentes informações reunidas em torno do embate dos negros africanos e seus descendentes em busca da liberdade, sendo relevante por envolver aspectos muitas vezes não percebidos e compreendidos pelos brincantes.
DESENVOLVIMENTO
Para a Antropologia cultural o conceito de cultura é desenvolvido principalmente por Edward Taylor, na sua obra Primitive Cultura, lançada em 1871, onde, aqui simplificando, entende-se como cultura, por todas as ações por meio das quais os povos expressam suas formas especificas de ser, derivando daí o conceito de manifestação cultural como toda forma de expressão humana, seja através de celebrações e rituais ou através de outros suportes. Dessa forma são também manifestações culturais as artes plásticas em geral, a musica, a dança, o artesanato, os trabalhos manuais e tantas outras ações.
Sendo assim, é comum e aceitável a diversidade cultural já que todos os povos possuem sua própria cultura, o que se que é transmitida geração após geração, mas que também se renova no cotidiano de cada grupo social.
Todo sujeito social dessa forma, passa por um processo dinâmico de sociabilização em que se aprende a fazer parte de um grupo social, onde controle sua própria identidade.
São fundamentais para o conhecimento dos processos utilizados pela memória os estudos de Maurice Halbwachs, que contribuíram definitivamente para a compreensão dos quadros sociais que compõem a memória. De acordo com Zilda Kessel, “a memória coletiva tem a importante função de contribuir para o sentimento de pertinência a um grupo de passado comum, que compartilha memórias”
Dentre as diversas manifestações culturais existentes na cidade de Laranjeiras, destaca-se a festa Lambe-Sujos x Caboclinhos que ocorre sempre no mês de Outubro, por ser a que envolve o maior número de participantes locais e visitantes de várias regiões do Brasil, brincantes e estudiosos de áreas plurais do conhecimento, bem como pelo seu caráter histórico, realizada sem interrupções por mais de cem anos, sem concorrente em Sergipe em termos de magnitude e representatividade, tratando-se se evento étnico e racial.
Considerada berço da cultura de Sergipe, e capital da cultura popular desse estado do Brasil, Laranjeiras está localizado a 20 km de Aracaju, e tem como peculiaridade a arquitetura colonial presente no centro histórico e o fato de possuir uma população majoritariamente formada por afrodescendentes.
Esse fato deve-se, sobretudo, devido a sua localização no Vale do Cotinguiba, zona onde se desenvolveu a monocultura da cana de açúcar, sustentada pelo trabalho realizado pela mão de obra escrava, oriunda do continente africano, que proporcionou a miscigenação racial, característica da formação do povo brasileiro.
Ao considerar-se a manifestação cultural Lambe Sujos x caboclinhos x como património intangível, assume-se seu valor como um bem deixado como herança pelos ancestrais, passado de geração a geração.
Entre as escolhas inerentes à memória, o lembrar e o esquecer, o folguedo torna-se importante e soberano como referencia cultural, formador de identidade local, um legado cultural a ser preservado, sendo necessário para garantir sua perpetuação, a manutenção da essência e originalidade de seus rituais.•.
A grande transformação no campo do patrimonial no Brasil ocorre a partir da nova definição de patrimônio adotada no Brasil através da promulgação da constituição de 1988, que em seus artigos 215 e 216 incorpora como elementos passíveis de tombamento centenas de manifestações populares, saberes e fazeres. São os bens materiais intangíveis ou imateriais.
Muito comuns por todos os estado de Sergipe nos séculos passados, as formas de expressão genuinamente populares, também conhecidas como folclóricas, estão cada vez mais difíceis de encontrar, ocupando espaços apenas em eventos comemorativos de datas tradicionais, ou festivais e feiras esporádicas.
Muito desse processo de desvalorização e extinção deve-se à modernidade e suas inovadoras tecnologias, entre as mais importantes a invenção da televisão, o advento da internet, que atingem milhões de pessoas simultaneamente, propagando os modismos impostos pela indústria cultural, têm ocupado cada vez mais espaço na formação da população, proporcionando o alheamento e desconhecimento da cultura local, em prol de uma “cultura” de massa globalizante que atende tão somente a interesses econômicos.
Laranjeiras, como outras cidades, também passa por um período onde a influencia de outras culturas torna-se um elemento de ameaçador, tratando-se de tradições centenárias, produzidas e perpetuadas pelo povo. A aprovação recente da Lei dos mestres, que visa garantir a propagação do conhecimento popular, visando sua perpetuação.
A própria festa Lambe Sujos x Caboclinhos necessita de uma atenção maior dos seus organizadores, para não cair no lugar comum de transformar-se num evento com características diferentes das originais, o mesmo acontecendo com as outras manifestações culturais locais, tais como Taieiras, Cacumbis, Reisados, Cheganças, que conseguiram sobreviveram até hoje, mantendo seus conteúdos sagrados e profanos, a devoção aos protetores dos negros, São Benedito e Nossa Senhora do Rosário, as adaptações de folguedos oriundos da Europa, relatando combates entre cristãos e praticantes de outras religiões, comumente conhecidos como mouros enquanto muitas outras manifestações já são consideradas extintas em Sergipe.
A FESTA
O embate entre Lambe Sujos e Caboclinhos é comandado há anos pelo “mestre” Zé Rolinha, apelido do Sr. José Ronaldo de Meneses, que também é “mestre de Chegança, outra manifestação cultural tradicional da cidade de Laranjeiras, sendo um dos contemplados pela Lei dos Mestres.
A festa Lambe Sujos x Caboclinhos está repleta de conteúdos, signos e representações que evocam a resistência do negro africano à escravidão, e tem papel preponderante na memória coletiva dos moradores da cidade de Laranjeiras, que a realizam desde tempos imemoriais.
De acordo com a educadora Zilda Kessel “essa memória coletiva tem assim uma importante função de contribuir para o sentimento de pertencimento a um grupo de passado. comum, que compartilha memórias” o que explica a secularização do evento.
O contexto social de uma Laranjeiras cercada de canaviais, senhores de engenho e centenas de escravos e silvícolas está presente implícita ou explicitamente na formatação da manifestação cultural Lambe Sujo, que encena um combate entre os negros aquilombados e seus perseguidores, capitães do mato chefiando índios domesticados, os caboclinhos.
Estes se vestem quais seus ancestrais nativos, com saiote e cocares de penas coloridas, arco e flecha, facões e tem o corpo pintado com tinta vermelha, sendo um grupo, sob a ótica de formação militar, mais organizado, simbolizando a submissão do índio ao homem branco.
O cabaú, subproduto da cana de açúcar, é usado para escurecer a pele dos brincantes denominados lambe sujos, sendo esse grupo o que consegue mais adeptos entre os moradores da cidade, o que evidencia, através da observação, a identificação racial dos participantes, indivíduos afrodescendentes. Suas armas são foices de madeira que simbolizam a luta pela liberdade e o trabalho escravo no canavial. Gorro e calção vermelho são as indumentárias dos lambe sujos.
Fazem parte do grupo, o rei, a rainha e a mãe SUZANA REPRESENtando uma escrava negra, que saem pela rua em algazarra tocando vários instrumentos musicais, tambores, pandeiros, maracas e reco-reco.
Os rituais simbólicos tem início pela madrugada e perduram até o entardecer e também estão repletos de simbologias. Atualmente a festa incorporou um dado novo que não fazia parte do ritual ancestral: o pedido de benção ao vigário local o que demonstra uma adaptação à contemporaneidade, muito comum nas manifestações culturais mais antigas.
Tradicionalmente os Lambe sujos saem às ruas pedindo contribuições aos passantes, sob ameaça de suja-los com cabaú. Tudo conseguido é levado ao mocambo e as contribuições em dinheiro são usadas para compra bebidas que serão consumidas durante todo o dia.
Durante o enredo da festa a princesa dos caboclinhos é aprisionada, sendo o combate final pela sua libertação a conclusão da ópera popular. Historicamente, os lambe sujos são sempre derrotados, representando dessa forma a construção da historia, onde as lutas pela abolição da escravatura no Brasil demandaram décadas de campanhas por parte da sociedade civil, e movimentos de resistência por parte dos negros escravizados.
Para se ter uma ideia da participação popular no evento, homens mulheres e crianças travestem-se de seu personagem favorito, permanecendo assim durante todo o dia.
Concluindo nossa reflexão, desejamos com este artigo contribuir efetivamente para os debates que abordem a relação memória, história, identidade cultural, conhecimento e valorização do patrimônio intangível do estado de Sergipe, subjetividades tão ausentes quando se fala em sergipanidade, bem como atentar para a importância da preservação da festa Lambe Sujos x caboclinhos, enquanto espaço de expressão, pertencimento, lutas e identidades culturais.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LARAIA, Roque de Barros, 1932. Cultura: um conceito antropológico/Roque de Barros Laraia-22 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Ed. 2008;
Memória e memória coletiva, Zilda Kessel-www. memoriaeducacao.hpg.ig.com.br
DEMO, Pedro,1941. Metodologia Científica em Ciencias Sociais ? Pedro Demo. 3 ed. Ver. E ampl. – São Paulo : Atlas, 1995.
A História da Escravidão. Capítulo 3, Lutas e Aboliçoes.Não consta dados bibliográficos.
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