terça-feira, 15 de maio de 2012

MEU HERÓI DE VERDADE


            Como todo guríi nascido nos anos 50, eu também tinha minha coleção de gibís e meus super-heróis favoritos. Zorro e seu amigo índio Tonto, Fantasma e seu cão do qual não me lembro do nome.
            Porém, tive um privilégio que transformei em segredo, e só agora, movido pela emoção da despedida, revelo ao mundo: eu tive o meu herói de verdade, de carne e osso, que eu podia ver e conversar quando bem quisesse. Ele não escondia o rosto atrás de uma máscara, nem tampouco possuía uma infinidade de equipamentos de defesa e ataque. Sua única vestimenta era um calção de brim azul amarrado na cintura, sua única arma um sorriso tímido, que revelava o altruísmo que havia dentro daquela alma.
             Seu nome oficial poucos conheciam, José Martins Ribeiro Nunes, porém seu nome de guerra estava na boca de todos quando o assunto era o mar, o misterioso mar: Zé Peixe.
            Suas aventuras nas águas sergipanas correram o Brasil e o mundo, e muitos não acreditavam no que ouviam.  Várias lendas giravam em torno dessa figura fantástica. Algumas diziam que ele não se banhava com agua doce, outras que possuía escamas em algumas partes do corpo, e ainda havia quem jurasse que dormia numa banheira cheia de agua salgada.
            A verdade é que, tal qual um peixe ele não podia viver longe do mar. Alí era seu habitat natural, sentindo-se bem melhor que em terra firme. Todo o dia acordava às 5 horas da manhã e adentrava ás aguas então límpidas do Rio Sergipe, e nelas percorria distancias imensas, chegando facilmente ao mar aberto, num percurso que ultrapassava os 10 quilômetros.
            Conheci- oi em uma inesquecível manhã de domingo, graças à amizade com a família de Gildo Salva vidas, outro ás das águas.
            Todos os domingos, Gildo pegava os filhos, Gileno e Leila, e os levava ao trabalho, no posto de salva vidas da praia de Atalaia. Antes porem passava na casa de Zé e lá ficavam a prosear, enquanto a marinete não passava. Os meninos naturalmente aproveitavam para atirarem-se nas aguas do rio sem nenhum temor, junto com outros moleques da redondeza, numa feliz algazarra matinal. Ávido para conhecer o lendário personagem, cantado em verso e prosa pelos mais velhos, acompanhei-os certo dia, sem o conhecimento dos meus pais.
            Zé e Gildo esperavam ansiosamente por aquele encontro, e sentados nas escadas do ancoradouro esqueciam-se do tempo, a falar sempre do mesmo assunto: o rio e o mar, paixão daqueles dois homens tão diferentes fisicamente. Um, roliço como um boto e bonachão, o outro comedido, aparentemente frágil, e esbelto qual um marlim.
             Enquanto eles viajavam pelos reinos marinhos, nós fazíamos a festa, pulando de cabeça da amurada. Nadando cachorrinho deliciava-me com a dupla de irmãos, exímios nadadores, que respeitavam minhas limitações, não se afastando muito da margem.
            De repente Zé levantou-se e dirigindo-se a min , e com aquela voz serena que nunca se alterava, perguntou se eu sabia nadar. Surpreso e ofegante respondi que mais ou menos, ao que ele puxou-me pelo braço e por mais ou menos 10 minutos ensinou-me lições inesquecíveis. A seguir convocou a todos e decidiu que iriamos a nado até uma boia que se encontrava a uns 500 metros de distancia. O homem comum transformava-se em minha frente no super herói Zé Peixe.
            E lá fomos nós, com o rei dos mares dando-me só com olhar a certeza de segurança, enlaçando-me com aquela presença superior, induzindo-me a braçadas e folego ritmados.  Nadamos ida e volta e a partir desse dia ele passou a ser meu super herói de verdade.
            Desde então, acompanhei à distancia tudo a respeito daquele homem excepcional : entrevistas, livros, recortes de jornal, fotos, depoimentos.
            Os memoráveis resgates de náufragos, salvando vidas, o trabalho como prático da marinha guiando embarcações a um porto seguro sempre sem pedir nada em troca, a fama aumentando dia a dia, a famosa irmã Rita, os desafios em travessias mil, a velhice.
Fim de uma tarde de outono em Aracaju. Zé atravessa a Rua da Frente e segue impávido em direção ao atracadouro da Capitania dos Portos. O som de um clarim entoando a “Canção da Volta” chega com a brisa morna vinda do sul.  Para e perscruta o horizonte distante, decifrando as marés e  lendo os bancos areias movediças. Desce lentamente aqueles degraus, tão seus durante todos esses anos. Toca os pés escamosos nas aguas do Rio Sergipe e vai em busca das suas correntes marinhas, que sábias, lhe abrem caminho.           Flutua sobre as brancas espumas em direção à boca da barra, onde o encontro do rio com o mar forma redemoinhos medonhos, pesadelo de pescadores, sala de estar do meu herói.
            Já é noite, e o danado homem-peixe recebe do Atlântico um envolvente e perpétuo abraço.

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