sexta-feira, 1 de junho de 2012

Que venha logo São João.

Que venha logo São João. Minhas mais doces recordações me remetem aos idos de 1960, quando nas noites de São João, guiado pelas mãos poderosas do meu avô materno, arremetia pelo terreiro com potentes espadas de fogo, busca-pés e peidos de véia, sob o lume de uma enorme fogueira que queimava até o dia de São Pedro. Nesta data solene era então rezada uma concorrida novena, frente a um altar enfeitado com flores do mato, com as rezas sendo entoadas fervorosamente pela enorme prole, pessoas das redondezas, sem distinção alguma, e outras que vinham de vários pontos da cidade para prestigiar a festança. “Mestre” Irenio Braz, assim se chamava meu avô carpinteiro, com o título incorporado naturalmente ao nome por todos que o conheciam, era um verdadeiro líder de sua geração, e os folguedos atravessavam as madrugadas, com o belo casarão da Rua de Laranjeiras repleto de gente a beber licores e vinhos da Buril, comer as guloseimas tão bem preparadas por minha avô e tias, ao som das batucadas e caceteiras, os enormes balões multicores, as bandeirolas e as mocinhas vestidas de tabaroas, sorridentes e formosas, sentadas embaixo de um frondoso oitizeiro, formando assim um cenário perfeito, império da amizade e alegria gratuita, que ficou famoso por toda a Aracaju. E assim foi até o dia em que o peso dos anos curvou suas costas e entorpeceu os seus sentidos, ficando a partir de então os filhos, netos e bisnetos encarregados de manter a tradição. Muitos assim como ele já não estão conosco, mas todos os anos no dia 28 de Junho lá estamos nós não tão felizes como antes, pedindo graças para todos os presentes e ausentes. Hoje o São João de Sergipe é uma festa admirada nacionalmente, e a diversidade cultural tão decantada nesse chão verde e amarelo, trouxe sua contribuição ao nosso folguedo, na forma de novos ritmos e na transformação das outrora singelas quadrilhas caipiras num espetáculo de técnica e beleza estética, um verdadeiro show visual e artístico, produto de consumo pronto para invadir as telinhas de todo planeta, sem ficar nada a dever a tantas outras manifestações populares existentes em nossa pátria. Os conceitos contemporâneos advindos com a chamada economia da cultura podem muito bem ser aplicados nesse contexto, criando um círculo vicioso do bem, gerador de transformações sociais e econômicas, impulsionando o turismo e diversos outros setores correlacionados, sem contudo deixarmos de reverenciar nossos valores mais caros, como os barcos de fogo de Estância, os bacamarteiros de Carmópolis, a festa do mastro de Capela, os casamentos e batizados dos matutos, os pés de moleques, mugunzá, pamonha, manauê e tantos outros retalhos que formam esse imenso mosaico de cultura verdadeiramente sergipana. A padronização de usos e hábitos impostos pela globalização não foi capaz de arrancar nossas raízes centenárias que nos ligam às coisas da terra, muito pelo contrario, fortaleceu-as com o surgimento de movimentos de resistência cultural, individuais ou coletivos, vivos em cada fogueira acessa nas portas das casas, nos foguetes que espocam lá no alto, no triangulo sanfona e zabumba, a santíssima trindade do forró, que juntos incendeiam os arraiás por esse estado a fora, sendo inquestionável o reconhecimento da festança como patrimônio legítimo da nossa terra, em virtude da sua amplitude, participação maciça e espontânea da população, que a perpetuou no tempo, transformando-a assim num signo inconteste de nossa identidade cultural e memória social. Então que venha logo o mês de Junho, para inebriar nossa alma, enfumaçar e colorir nossos lares, amolecer nossas enferrujadas cinturas e confirmar os versos sábios de um poeta cantador da terra: Sergipe é o país do forró, tem milho canjica e quentão. Autor do texto: Carlos Braz, brincante junino e acadêmico de Museologia da UFS. Autorizo a publicação, em qualquer meio de comunicação, desde que seja citado o nome do autor

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